terça-feira, 25 de março de 2014

Punição ou deixa pra lá?

Como esperado, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) pegou leve com o Real Garcilaso por conta das manifestações de seus torcedores contra o volante Tinga, do Cruzeiro, na estreia de ambas as equipes na Copa Libertadores deste ano, em 12 de fevereiro, em Huancayo, no Peru. Na ocasião, torcedores imitaram macaco a cada vez que o jogador celeste pegava na bola, mas isso não constou na súmula elaborada pelo árbitro venezuelano José Argote e rendeu só multa de US$ 12 mil (cerca de R$ 27,5 mil) ao clube peruano, além de ele ter de jogar com portões fechados em caso de reincidência. Para se ter uma ideia do valor, uma multa de US$ 14 mil foi aplicada ao Cerro Porteño, por exemplo, depois que o time paraguaio demorou três minutos para se apresentar no gramado em um jogo da Libertadores’2013. Ou seja, o atraso teve uma pena mais severa que o racismo.

“A Conmebol reitera seu compromisso de combater qualquer forma de discriminação e atos racistas em seus torneios. Como marco dessa prioridade, foi reforçada a vigilância dos árbitros e assistentes, além dos delegados das partida, para advertir e denunciar esse tipo de infrações”, comunicou a entidade que controla o futebol sul-americano através de nota em seu site oficial.

Os insultos a Tinga repercutiram em todo o mundo, levando a uma onda de repúdio ao racismo e apoio ao atleta. Ele foi até recebido em audiência no Palácio do Planalto pela presidente Dilma Rousseff, há 10 dias. Nada disso, porém, levou a Conmebol a ser mais enérgica na punição ao clube peruano, que poderia até ser eliminado da Libertadores, conforme previsto em seu regulamento disciplinar.

O jogador esteve em Porto Alegre ontem, participando do lançamento de um projeto social contra o racismo, promovido com a parceria da Central Única das Favelas (Cufa) do Rio Grande do Sul. Ele se mostrou pouco preocupado com a pena ao clube peruano. “Punição, para mim, não é o mais importante. Acredito que o que tem que ser feito nisso é passar, através da Conmebol, um recado, para que isso não seja normal. Vi algumas coisas, o pessoal querendo dizer que era uma simples brincadeira. Não, isso não é uma simples brincadeira. Penso sobre o legado que vamos deixar para as crianças. O importante é eu ver, daqui a 10 anos, que a situação melhorou. O time, os jogadores, não acho que eles devam ser punidos, até porque os jogadores não têm nada a ver”, declarou Tinga, em entrevista a uma emissora gaúcha. “US$ 12 mil, US$ 100 mil, não fazem diferença. O clube deveria ser punido no sentido de estabelecer uma ação contra o preconceito”, disse ele a outra rádio.

O Cruzeiro, por sua vez, não quis se pronunciar sobre o assunto, “pois não comenta decisões judiciais”, segundo seu assessor de comunicação Guilherme Mendes. Ainda mais em tratando-se de uma punição a outro clube.

O Real Garcilaso é o último colocado no Grupo 5 da Copa Libertadores, com três pontos obtidos justamente na vitória sobre o Cruzeiro, no fatídico dia dos insultos racistas. O curioso é que o clube peruano pode ajudar o time celeste se somar pontos no único jogo que ainda fará como mandante, contra o Defensor, em 1º de abril. Os peruanos encerram a participação na fase de grupos do torneio continental enfrentando o Cruzeiro, no Mineirão, em 9 de abril.

MULTA MAIS ALTA No mesmo dia em que a Conmebol anunciou a multa de US$ 12 mil ao Real Garcilaso, o Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo julgou o Mogi Mirim por ofensas contra o também volante Arouca, do Santos. A punição foi mais dura: multa de R$ 50 mil para o time, que continua com o Estádio Romildo Vitor Gomes Ferreira interditado e sem previsão de reabertura. O clube foi citado no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade (...)) e condenado por unanimidade. 

REAPRESENTAÇÃO
 Tinga e os demais jogadores do Cruzeiro voltam aos treinos na tarde de hoje, na Toca da Raposa 2. O técnico Marcelo Oliveira deverá aproveitar bem esta que poderá ser uma das únicas semanas livres que terá até a Copa do Mundo, caso o time celeste avance às oitavas de final da Libertadores.

O próximo compromisso será domingo, às 16h, contra o Boa, quando a Raposa tentará ratificar a vaga na final do Campeonato Mineiro. Para isso, pode perder por até um gol de diferença, pois fez a melhor campanha na primeira fase do Estadual e venceu o jogo de ida, em Varginha, por 1 a 0.


PASSO A PASSO

12/2 Torcedores do Real Garcilaso imitam macacos toda vez que o volante Tinga, do Cruzeiro, pegava na bola. No mesmo dia, a Conmebol anunciou que iria estudar possíveis sanções aos peruanos;
13/2 O presidente da entidade máxima do futebol sul-americano, Eugenio Figueiredo Aguerre, diz que “repudia energicamente qualquer ato de discriminação”;
14/2 O presidente da CBF, José Maria Marín, também pede punição e repudia os atos dos torcedores peruanos;
16/2 Cruzeiro empata em 0 a 0 com o Atlético, em clássico no Independência marcado pela solidariedade a Tinga;
19/2 Tribunal Disciplinar da Conmebol anuncia abertura de expediente para apurar os fatos ocorridos em Huancayo;
13/3 Tinga é recebido pela presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto ao lado do árbitro Márcio Chagas, vítima de racismo quando apitava jogo em Bento Gonçalves (RS)
Ontem Tribunal Disciplinar da Conmebol anuncia decisão de multar o Real Garcilaso em US$ 12 mil (cerca de R$ 27,5 mil), além de obrigá-lo a jogar com portões fechados em caso de reincidência.

ANÁLISE DA NOTÍCIA:

Cabia mais

A Confederação Sul-Americana perdeu grande chance de punir exemplarmente o Real Garcilaso, depois dos episódios racistas contra o volante Tinga. Multa e aviso pela não reincidência ficaram de graça para o clube peruano. Enquanto a opinião publica mundial clama pelo fim dessa odiosa prática, com campanhas contrárias ao racismo em todos os continentes, a Conmebol segue na contramão e parece não levar tão a sério o que já se configura como crime e, como tal, deveria ser duramente punido e combatido. (Daniel Seabra)

Sem comentários:

Enviar um comentário